No respeitante à metodologia desenvolvida neste estudo, cuja natureza se apresenta como sendo de carácter histórico-social e antro¬pológico, foram realizados os seguintes procedimentos:
a) Pesquisa bibliográfica o Ievant eato bibliográfico realizado subdividiu-se primeiramente na análise da do rt tação específica sobre a Capoeira para quaisquer das suas incursões temáticas em bibliotecas, arquivos, centros de documentação, institutos e museus. Deste levantamento destacaram-se livros, capítulos de livros, revistas e artigos de revistas nacionais e estrangeiras, revistas de arquivos históricos e institutos. A segunda parte desta pesquisa bibliográfica centrou-se na análise da documentação que mantém estreita relação com a natureza do estudo pretendido, referente à vida dos negros-escravos no Brasil, dos quilombos brasileiros, das rebeliões escravas, das manifestações folclóricas brasileiras no decurso dos séculos XVI a XX A terceira parte desta análise bibliográfica localizou-se em órgãos portugueses de natureza idêntica às referidas acima, todavia, concentrando-se na obtenção de referencias sobre o tráfico negreiro e manifestações culturais de origem africana dos povos traficados para o Brasil.
b) Pesquisa documental: esta pesquisa documental igualmente centrou-se no levantamento de registos documentais referentes à vida dos negros escravos ou forros no Brasil no decurso dos séculos XVIII a XX, obtidos fundamentalmente em arquivos públicos nacionais nos Estados aludidos anteriormente e, esporadicamente, em arquivos portugueses. Os documentos colectados foram de origem jurídica e policial, regulamentares, decisões, oficios, bandos, ordens, cartas, patentes, posturas municipais, códigos penais, representações, relatórios, correspondências e periódicos de época. Ainda neste contexto,, assistiu-se no Museu de Etnologia e Etnografia de Lisboa a oito (8) filmes referentes a manifestações culturais de alguns dos povos africanos, onde a dança, os cânticos, os instrumentos musicais e os movimentos corporais foram os focos principais de observação.
c) Entrevistas: as entrevistas foram realizadas com mestres de Capoeira dos Estados da Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, com historia dores e etnógrafos, destinando-se as mesma a elucidação, confirmação ou mesmo negação de informações historicamente difundias pelos antigos mestres vinculados directamente à manifestação aludida, buscando igual¬mente obter impressões pessoais sobre a perspectiva do desenvolvimento desta expressão como elemento de cariz lúdico, consubstanciando outras informações difundidas nas bibliografias existentes.
Segue em nota de rodapé os organismos envolvidos nos itens a e b e a referência nominal dos indivíduos entrevistados.
O estudo em pauta apresentou-se com uma perspectiva analítico-descritiva, buscando enquadrar historicamente os distintos momentos das diversas emanações da Capoeira no contexto nacional, primeiramente, o da contextualização enquanto matriz de guerreira, secundando-se a sua afirmação como expressão de defesa pessoal, e, finalmente, a sua emanação como expressão de natureza lúdica. Para este efeito o estudo apresentou-se dividido em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, denominado A luta, o jogo, o desporto, busco de forma sucinta, identificar os principais pressupostos teóricos do jogo, do desporto e das práticas de defesa pessoal, objectivando o enquadramento da Capoeira nos âmbitos referidos, para, deste modo, sustentar teoricamente as' análises a serem efectuadas nos capítulos subsequentes.
0 segundo capítulo, titulado como CAPOEIRA: um nome, uma origem. Uma nova abordagem teórica, busca reinterpretar as diversas teorias nominais acerca da denominação atribuída historicamente à luta corporal brasileira, por reconhecer serem inconsistentes cientificamente os fundamentos apresentados nas proposições que buscam definir-se como efectivamente esclarecedoras da teoria nominal da expressão em foco, as quais, permeiam a literatura pertinente a esta temática. Assim reconhecendo, e percebendo a evidente similitude da dita denominação com aquela atribuída aos malfeitores contumazes dos diversos períodos históricos brasileiros, isto para todas as acepções a ela atribuídas quer no Brasil, quer em Portugal, quer em África, buscou-se a elaboração de um novo constructo teórico que comportasse fundamentos científicos extraídos do contexto social donde emanou a expressão de múltiplas facetas.
O terceiro capítulo, Capoeira, luta ou jogo ou jogo e luta?, apresenta-se de forma interrogativa, visto ser unânime a dúvida entre os estudiosos desta temática quanto a ter sido a expressão em pauta, uma forma de luta ou uma forma de jogo, ou mesmo ambas, concomitantemente, durante os períodos colonial e imperial. Acreditando ter sido a dita manifestação corporal nos períodos retro-referidos, uma efectiva forma de expressão de luta, busquei identificar as principais características e atitudes emanadas pelos praticantes da Capoeira, formas de repressão e punições adoptadas pelo sistema jurídico-policial, para, deste modo, evidenciar a sua agressividade e violência e, consequentemente, atentatória à integridade física dos cidadãos, diferençando-se substancialmente das emanações lúdicas conhecidas nos espaços de tempo aludidos.
A análise documental e bibliográfica possibilitou a subdivisão da identificação das características emanadas pelos praticantes da Capoeira em dois períodos distintos, todavia complementares, sendo o primeiro, para a primeira metade do século XIX, cujas interpretações recaem sobre uma perspectiva individualizada das atitudes dos indivíduos capoeiras, malfeitores contumazes, considerados em generalidade praticantes da expressão retro-referida. A segunda metade do século XIX apresenta uma interpretação das formas colectivas de exteriorizações das atitudes violentas dos indivíduos capoeiras, e provavelmente da expressão de luta, como mais uma dessas formas de violência social, contextos estes que favorecem a criminalização das atitudes dos indivíduos referidos e igualmente dos exercícios de agilidade e destreza corporal. A conclusão do capítulo, face às formas de exteriorizações individuais e colectivas da Capoeira, evidenciam, incontestavelmente, ter sido eia no decurso dos períodos colonial e imperial, uma efectiva expressão de luta corporal, em detrimento da compreensão de jogo lúdico, que é difundido no contexto bibliográfico desta temática.
O quarto e último capítulo deste estudo, identificado como A transformação da Capoeira enquanto actividade guerreira para uma actividade lúdica, fundamenta a sua abordagem na perspectiva de ter ocorrido processos múltiplos de transformação da expressão em apreço no decurso dos distintos períodos históricos brasileiros, consubstanciando-se concretamente a transformação da sua emanação inicial em actividade de natureza lúdica tão somente durante as primeiras décadas do século XX. Para evidenciar o posicionamento retro-referido, foram realizados alguns percursos, passando, primeiramente, pela indicação de se ter transformado a Capoeira enquanto prática guerreira colectivizada numa prática individualizada de defesa pessoal no decurso do período colonial, destarte, a primitividade e a quantidade dos movimentos que corporificavam esta forma de emanação.