Do Prefácio
O Imo da Imaginação e o Mimo da Educação
Carlos H. do C. Silva
(Universidade Católica Portuguesa - Lisboa)
"As crianças de todo o mundo são iguais na espontaneidade dos traços instintivos do homem".
(Almada Negreiros, «0 Desenho», in: O.C., V, p. 23)
Os átrios da imaginação... - essa que se supõe a esmo..., qual cosmos de fantasia, e, no entanto, logo se reconhece real e 'bem a sério' no lúdico das crianças no genesíaco de sempre outra infância... Porém, o que poderia parecer o quadro 'poético' de um certo devaneio (ou rêverie) no lugar comum do lirismo desse 'outro' que fomos, e queremos desse modo brincar a ser, torna-se esforçada e ponderadíssima tarefa de análise dessa enigmática 'faculdade' do imaginário.
Será já a perspectiva crítica, o reflexivo estudo empreendido - e aqui também ora presente - com o rigor da razão e o cuidado analítico, porém nem redutor, nem errático em direcção ao irracional, outrossim atento ao que bordeja o caminho do próprio pensar, - contingência e liberdade, desejo e destino... - nessas várias 'essências' que assim o parecem inspirar em passos, que ao andar precedem, neste "mistério de haver passos comigo" (como diz Pessoa em tom mediúnico de «A múmia»)...
0 presente estudo sensível à mitanálise tem, pois, a inovadora perspectiva ideologémica da Infância, ou seja dessa génese subtil dás próprias redes de possível compreensão a partir dos mitos e das imagens construtivas da criança. É neste polo arquetípico, e mais complexo da criança, qual novo centro da verdadeira "revolução copernicana" operada pela pedagogia moderna, e também neste estudo amplamente documentada pelos teóricos da Escola ou Educação infância, em fingir, em "fazer de conta" e tão completamente, como sabiamente "autopsicografou" Pessoa.. .
Não a criança como o mero antecedente de uma idade racional, mitificado como génese numa gnose que lhe inverta o sentido, pois é no calar das veras imagens infantis que se almeja a própria absolvição da dicotomia entre o pensar do imaginário e a imaginação do pensar, reconduzindo, - assim em pura duplicidade, - ao irredutível dessa diferença noutra infância de ser.
Donde que na Educação Nova, em diversos paradigmas de hermenêutica, longamente analisados no presente estudo, - criança centro de atenção e de irradiação (0. Decroly), ou qual instinto natural a comandar a escola (desde o «Émile» de Rousseau a Claparede e outros), trate-se da convivialidade que se sobrepõe àquele instinto (Dewey) como até à escola, numa descoberta criativa e espiritual (Maria Montessori), ou mesmo no contraste entre o desenvolvimento pessoal e social, mais espontâneo um (Ferrière, ainda Cousinet), mais funcional e orgânico outro (Freinet), - seja a criança aquela que obriga a uma desconstrução das "imagens" que se haviam e destas mesmas que ora se têm.