Do Prefácio
" No preâmbulo às disposições do Decreto de 29 de Março de 1911, que reformou o ensino primário e infantil, afirma-se, logo no primeiro parágrafo, que "o homem vale pela educação que possui". Mas não por uma educação qualquer, mas por aquela que, sem enjeitar a instrução (predominantemente baseada nas "lições das coisas", na experiência e na experimentação), livrasse a criança "definitivamente de todos os falsos dogmas, sejam os de moral ou os de ciência", erradicasse do seu imaginário as superstições, os mistérios e os fantasmas que a aterrorizavam e dominavam, lhe desenvolvesse o carácter pelo exercício da vontade em ordem a uma moral baseada na "religião do dever" e nos "preceitos que regulam a justiça entre os homens e a dignidade dos cidadãos"; por isso, a escola republicana pretenderá ser, prioritariamente, uma escola e um crisol moral, que o mesmo é dizer, uma escola cívica, uma escola de cidadãos - essa "matéria prima" das pátrias.
Essa estreita conexão entre educação e republicanismo tinha já sido assinalada por vários republicanos, mais foi-o, com uma ênfase e vigor ímpares, por Bernardino Machado na sua famigerada Oração de Sapiência, intitulada A Universidade e a Nação, pronunciada na cerimónia inaugural do ano lectivo de 1904-1905 na Universidade de Coimbra(1). Nela, Bernardino Machado atacou a Universidade que nele delegara a sua defesa, apoucou-a quando fora indigitado para a engrandecer, desnudou-lhe a senilidade e as taras quando fora escolhido para a enfeitar de vigor e potencialidades, denunciou a sua aliança com o despotismo monárquico, os nefastos efeitos da sua pedagogia, a dissociação, que nela existia entre o ensino e o trabalho e a pedante aristocratização dos mestres. O ataque foi demolidor mas não visava aniquilar o enfermo; outros sim, contribuir para a cura de uma moléstia que, desde há muito, o carcomia e definhava: o despotismo."
(1) Foi reproduzido pelo O Mundo, de 17-10-1904, pp. 1-2