Da Nota de Abertura
"Qualquer que seja a resposta que se dê à pergunta sobre as finalidades da Escola e do Ensino institucionalizado, questões como as matérias a leccionar, os manuais a adoptar e os métodos de ensino a seguir, serão sempre fulcrais. Porquê? Porque por elas passam em grande parte os caminhos da eficácia dos sistemas educativos. Por isso, à sua volta os consensos, quando existem, são sempre precários.
Sabem que é assim não só os governantes e os seus assessores que pensam a Escola mas, sobretudo, os docentes e alunos que a constroem no dia a dia através das suas vivências quotidianas. E não o desconhece a sociedade em geral. De facto, não há transformações estruturais profundas e duradouras se não forem absorvidas e bem digeridas nos bancos da Escola. As ambiências da Escola e os saberes (ou as ignorâncias) por ela transmitidas são o penhore a garantia do sucesso ou do insucesso de todo um projecto global de organização da Sociedade.
Sendo assim, a educação não pode deixar de ser uma paixão de todos os governos e de todos os governantes. E se não conseguir ser paixão no sentido de amor ardente e fecundo, sê-lo-á desgraçadamente no sentido de sofrimento a prazo e generalizado.
Se isto hoje é assim entendido, talvez o fosse ainda mais outrora em épocas mais propensas a exaltar os benefícios indiscutíveis e progressivamente universais da escolarização. Não admira, pois, que os profissionais da docência, que gostam do que fazem e continuam a acreditar no papel primordial da Escola na correcta organização das sociedades, se debrucem sobre os caminhos percorridos pelos colegas do passado para melhor entenderem as ansiedades presentes e daí extraírem sugestões úteis para programar o futuro. Aliás, esta é a grande utilidade da História em geral.
O trabalho agora dado à estampa foi concebido e desenvolvido na Universidade do Porto, no âmbito de um Seminário que tem privilegiado a alfabetização, a escolarização, a leitura e o livro na época moderna. Neste caso, a atenção do investigador incidiu sobre o livro escolar, desbravando um campo quase virgem entre nós. Resultou daqui um estudo interessante e útil, que significa, a nosso ver, um importante contributo para a História da Educação em Portugal, a emparceirar com outros que nos últimos anos têm sido elaborados e apresentados nas nossas Faculdades como dissertações de Doutoramento ou de Mestrado, como é o caso deste. E não só para a História da Educação: também as novas áreas da História do livro e da edição aqui podem encontrar subsídios.
A investigação em História da Educação está longe de constituir um domínio novo da Historiografia. Mas os novos campos de pesquisa, as metodologias reinventadas e as preocupações de interdisciplinaridade renovaram-na com sucesso, um pouco por toda a parte. Também em Portugal, onde felizmente têm sido publicados importantes trabalhos de que o presente faz eco e aproveita.
O Autor não é um desconhecido dos escaparates das livrarias. Desde há bastantes anos vem dedicando muitas horas à elaboração de manuais escolares de História. Desta feita, novamente os manuais escolares o entusiasmaram e atraíram não já na perspectiva de quem os produz mas na de quem, à distância, os tenta analisar e avaliar."
O que é que importa sublinhar neste trabalho?
Antes de mais, parece-nos justo destacar o valor dos materiais pedagógicos recolhidos e as abundantes fontes inventariadas: ficamos a conhecer os manuais mais importantes utilizados nas Escolas Elementares durante um longo e crucial período que vai desde as Reformas Pombalinas até ao eclodir da Revolução Liberal. Mas o Autor não se limitou a inventariar as obras: compulsou-as uma a uma, no intuito bem actual de fornecer aos interessados informação sumária mas segura sobre os conteúdos e as metodologias propostas, às vezes divergentes, como era o caso dos dois grandes grupos de pedagogos do período considerado: os jesuítas e os oratorianos. E não deixou de emitir um juízo crítico sobre a qualidade do ensino ministrado.
Mas não foi apenas a partir dos manuais que foi feita a abordagem da questão dos conteúdos e dos métodos de ensino. Acompanhando bem de perto o que neste domínio se vem fazendo na Europa, o Autor aproveitou as sugestões fornecidas pelas "Instruções" contidas nos exames dos candidatos a Mestres.
Se o Marquês de Pombal é uma referência pedagógica obrigatória pelas razões conhecidas, outras personalidades setecentistas tentaram intervir ou intervieram no processo quer como idealizadores e proponentes de reformas (Francisco Stockler) quer como críticos e avaliadores (Bento Farinha, Santos Marrocos, Aragão Morato). A todos o Autor dedica atenção suficiente.
A dialéctica ensino público/ensino privado, hoje na ordem do dia, não foi uma questão ignorada no século XVIII. Um dos contributos mais meritórios e pioneiros deste trabalho será, porventura, a afirmação insofismável e amplamente documentada do incremento do ensino particular, em especial na cidade de Lisboa.
Foi exaustivo o aproveitamento das fontes?
É evidente que não. Aliás, tendo em conta a natureza e os condicionalismos de uma dissertação de Mestrado, tal aproveitamento não pode (e, por isso, não deve) ser exaustivo. Reutilizados pelo Autor noutras andanças académicas, como espero, os elementos de trabalho indicados e localizados mostrarão, de forma ainda mais clara, a sua potencial polivalência.
Francisco Ribeiro da Silva
Prof. Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto